segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A (R)evolução dos bichos



Por Catiane Magalhães

Que há gente parecida com bicho eu nunca tive dúvidas. E não me refiro à estética apenas. Além da aparência, do aspecto e do modo de vida, muitos seres humanos fazem questão de se comportarem como tais, ignorando por completo todo o processo de civilização que o mundo sofreu.

Um exemplo claro desse retrocesso é a ‘necessidade’ humana de urinar em vias públicas, mais especificamente em postes, árvores, pilares de viadutos e pontes ou qualquer parede que lhes dê apoio na hora do ato. O faz como se bicho fosse. E, neste caso, com uma vantagem a mais e um esforço a menos em comparação aos colegas cachorros, já que nem se dão ao trabalho de elevar o membro inferior (isso para não dizer a pata).

O mijo aqui só foi citado porque esteve em alta nas últimas semanas. A ponto de fazer o chefe do executivo municipal da capital baiana criar uma lei para combater a prática, que, diga-se de passagem, está ameaçando a estrutura dos viadutos e pontes da cidade, além de ser apontada como uma das prováveis causa do desabamento da Fonte Nova.

Mas os motivos que me levam a falar da humanização dos bichos não são os parentes distante dos macacos, que se comportam como cachorro, vivem como porcos e ‘pensam’ como os burros. Não! Quero falar é do modismo criado pela televisão em humanizar os bichos – os de pêlos e penas e, até então, irracionais e incapazes de falar a nossa língua –.

Quem pensou que a racionalidade e o dom da comunicação verbal e clara fosse privilégio do homem viu sua tese ir ralo abaixo. A TV não só mostra que não é, como prova o contrário: há bichos mais inteligentes que gente. Duvidam? Quem acompanha o programa matinal da Globo – que até hoje eu não descobri se pretende ser informativo, de entretenimento ou de culinária, destinando receitinhas para dondocas que têm as manhãs livres – sabe do que estou falando.

Na disputa diária de piadas e charadas entre os seus apresentadores, a loura Ana Maria (Brega) e o Louro José, quem sai vencedor, com o maior número de acertos? O papagaio de espuma verde e de voz irritante se mostra superior à colega. Aliás, neste e em outros aspectos, os quais não entraremos nos méritos.

E quem achou cafona a iniciativa da Loura Brega em levar o bicho de pelúcia para o estúdio global tratou logo de se acostumar com a tendência, já que não adianta acionar o botão do controle remoto e trocar de canal. Agora, não é só papagaio que fala a nossa língua. As formigas, que passavam despercebidas, tamanha a sua insignificância e miudeza, se evoluíram.

Errou quem pensou que ela aprendeu a cantar como a cigarra para dá ao inseto o merecido troco na fábula em que sempre leva a pior. Ela se superou e se equiparou a mais respeitada das espécies: o homem. Sim, as formiguinhas já falam a nossa língua e são capazes de raciocinar como nós. Pelo menos, as de pelúcia do programa da Band, O Formigueiro, estrelado por Marco Luque, integrantes também do CQC, na mesma emissora.

O que leva a produção de tais programas a investir nesse formato de comunicação eu desconheço, mas acredito que se trata de uma aposta no entretenimento e na leveza. E, por mais que eu não goste desse ‘recurso pedagógico’, devo admitir que ele tem sua eficácia, já que permanece no ar há tanto tempo e cada vez mais ganha novos adeptos.

O histórico é antigo. Já na década de 80, Xuxa (não o nadador, mas a rainha dos baixinhos) já se apresentava no seu programa matinal com a dupla Praga e Dengue, uma tartaruga anã e um mosquito gigante, respectivamente. Pelo menos, o público alvo do programa era outro: as crianças. E a linguagem também!

Depois veio a TV Colosso, com sua cachorrada falante. O formato não agradou e logo foi substituído pelo Caça Talentos, programas estrelado pela 'Fada Bela', marcando a estreia de Angélica na emissora do Plim-plim, e tantos outros onde havia bichos que falam, pensam e sentem como gente.

O que não compreendo é esse retrocesso da televisão brasileira do século XXI em recorrer a artifícios utilizados no século passado para entreter adultos, quando eles não funcionam mais nem com as crianças? Se alguém duvida, basta pegar um pimpolho de hoje e colocá-lo diante da TV para assistir a um desses programas. Certamente, personagens e linguagem vão lhe soar um tanto infantil e antiquado.

Ainda assim, as emissoras continuam apostando na infantilização do seu público, colocando-os para dialogar com bichinhos ‘mais evoluídos’. Ou ninguém se deu conta que automaticamente está saindo na desvantagem, se comparado ao animal?

Não demora e teremos todo o zoológico na nossa sala de casa, através da televisão, nos aconselhando, indicando livros e receitas e fazendo piadas a nosso respeito, como o faz o Louro José com a sua companheira de programa.

Jogadas Perigosas



Por Catiane Magalhães

O universo futebolístico é um dos poucos ambientes que podemos chamar de democrático. Pelo menos no que diz respeito ao espaço destinado a jovens de classe média alta, como Kaká, e a meninos oriundos da favela, a exemplo de Adriano, Ronaldo, Robinho e Vagner Love. Estes, aliás, ocupam uma posição de vantagem diante dos garotos bem nascidos, uma vez que são maioria nesse cenário.

A prerrogativa, entretanto, é apenas numérica. Após alcançar o mesmo patamar dos meninos ‘brancos’ e providos de alguma condição financeira e intelectual, os garotos ‘pretos’ e pobres traçam seu regresso às origens, contrariando a máxima popular que afirma que quem conhece o melhor da vida não mais se acostuma com nada inferior.

Se algum ditado se aplica nesse mundinho é o que diz: “pode-se tirar um pobre da favela, mas nunca a favela de um pobre”. O jogador Adriano é a prova viva de que a vida no morro não é tão ruim como se imagina, a ponto de querer abrir mão de todo o conforto e da suposta segurança que o dinheiro oferece para voltar a morar no lugar onde, segundo o próprio, é o único capaz de sentir-se verdadeiramente em paz e feliz.

O motivo mais provável para que rapazes como Adriano percorram o caminho de volta é a falta de preparo emocional e principalmente psíquico para lidar com os excessos – de dinheiro, fama, farra, mulheres e reconhecimento –, já que conheceram e conviveram na total escassez.

Como toda mudança radical, esta ascensão repentina, de fato, deve mexer muito com a cabeça dessas pessoas, fazendo-os experimentar diversas sensações. Num primeiro momento, a euforia de ter tudo o que o dinheiro pode oferecer e posteriormente a frustração de saber que salário milionário não é sinônimo de felicidade e muito menos de privacidade.

Tanto que, não raro eles alimentam as páginas policiais da imprensa escrita, falada e televisionada, protagonizando escândalos homéricos. Quem não se lembra da fenomenal “engano” do craque Ronaldo ao levar travestis para o motel pensando ser mulher? O episódio foi repercutido na mídia por semanas a fio.

E o namorador do Palmeiras, que por fugir da concentração para encontros amorosos recebeu o singelo e bem sugestivo apelido de Vagner Love, ao comemorar a vitória do seu time, posou para fotos ao lado de traficantes, quer dizer, de amigos de infância que não tiveram o mesmo talento e sorte que ele e por isso se enveredou por outros caminhos nada esportivos? O problema não foi ser clicado ao lado dos velhos conhecidos, mas exibir os acessórios que estes ostentavam com certo orgulho: armas de grosso calibre e, digamos, de origem duvidosa.

Mas, até o surgimento caso Bruno, o líder absoluto em números de manchetes policiais era o imperador. Primeiro, com a crise existencial, que deu origem a seu ‘sumiço’ temporário, resultando em sua ‘hospedagem’ na casa de amigos no morro onde nasceu. Na ocasião, ele chegou a divulgar oficialmente o encerramento da carreira, abrindo mão do luxo e conforto que a profissão lhe proporcionava com o altíssimo salário pago pelo clube estrangeiro o qual mantinha contrato.

Pelo visto, não era só do morro e dos amigos que Adriano sentia saudade, mas do barraco propriamente dito. Não demorou muito para ele voltar a estampar as capas dos jornais, ‘saindo na mão’ com a então noiva, como diria o ex-goleiro do Flamengo.

Naquele momento, o camisa um do rubro-negro carioca deu uma demonstração gratuita do seu temperamento violento, com a declaração polêmica, que, diga-se de passagem, não poderia vim em melhor data: Dia Internacional da Mulher, quando ia ao ar uma matéria sobre o aumento da violência doméstica contra esse público.

Dias depois, ele não só colocou em prática o funk ‘só um tapinha não dói’, como foi para além da agressão, assassinando brutalmente a ex-namorada Eliza Samudio, com requinte de crueldade que nenhum roteirista de filme de terror jamais ousou a escrever um crime tão bárbaro.

Quem sabe a sua origem pobre e de escasso acesso à informação e conhecimento, ou mesmo o deslumbramento com o excesso de dinheiro e ‘poder’ lhe impossibilitou ver que não há crime perfeito? Como pena, ele está condenado não apenas a passar longos anos no submundo do presídio, mas a encerrar precocemente uma carreira promissora.

O jovem goleiro, que sonhava com a Copa de 2014, não imaginou que ao participar, ainda que indiretamente, do assassinato da moça ele estaria cometendo também um suicídio profissional. Sim, porque agora ele não mais será lembrado pelas belas defesas que realizou ao longo da sua trajetória, mas pelo perigoso ataque que desferiu contra a mãe do seu filho bastardo.