quarta-feira, 23 de maio de 2012

Podres Poderes

Por Catiane Magalhães





O título deste post não é nenhuma referência à música homônima de Caetano Veloso, mas é, sem dúvida, uma boa metáfora para definir o comportamento dos guardiões da moral e dos bons costumes demonstrado logo após a entrevista que Xuxa concedeu à principal revista eletrônica do País, no último domingo, revelando os abusos sexuais sofridos na infância e na adolescência.
Antes mesmo de ir ao ar, o quadro O que eu vi da vida, do Fantástico, já era aguardado pelos ávidos consumidores de notícias sobre a vida alheia, do tipo que não “inflói nem contribói” em nada nos seus mundinhos.
Bastou a eterna Rainha dos Baixinhos contar o seu drama para os abutres, encorajados pela vez e pela “voz” que o pseudo anonimato que as redes sociais proporciona à multidão virtual, correrem para frente do computador para não apenas opinar sobre o assunto, mas julgar e condenar a apresentadora. Foi questão de minutos para o assunto estar em todos os sites, se tornar o trending topics do twitter e o post mais comentado do facebook, fazendo referências, é claro, ao ensaio nu e o filme sensual estrelado por Xuxa na década de 80.

Ora, a essa altura do campeonato me deparar com o dedo sujo da moralidade vestido com a luva do machismo e apontado para o problema alheio é um pouco demais para a minha cabeça. Não veem que há uma inversão de valores e papeis nesta história? Xuxa é a vítima e não a vilã, gente! Pensar ou dizer o contrário é o mesmo que atribuir a culpa ao short curto, apertado ou transparente quando uma mulher é estuprada.
Não estou aqui para defender Xuxa, pois não tenho o mínimo talento para isso e menos ainda vontade. Aliás, a legião de fãs e seguidores da loira já o fez bem melhor do que certamente eu faria. O fato é que achar que ela iria à tevê dizer tudo o que disse em busca de audiência me parece muito mais nojento do que ouvi-la relatar emocionada toda a violência física e psicológica que sofreu até os 13 anos. Não esqueçamos que não estamos falando de nenhuma subcelebridade, mas de Maria das Graças Xuxa Meneghel, uma das personalidades mais bem paga e influente do mundo.
É verdade que os seus baixinhos cresceram e que o seu programa perdeu espaço e público para outros, dentro e fora da emissora, mas, como diz outra música que eu adoro, “o novo sempre vem”. Contudo, ela não precisa se expor daquela maneira só para crescer no Ibop. Apesar da má fase, Xuxa ainda é a funcionária mais rentável da Globo e é também a celebridade que mais vende revistas. E digo com conhecimento de causa. Ao fazer um freela para a Contigo!, o editor me orientou: “Corra atrás da Ivete. Quero capa! Porque ela só perde para Xuxa quando o assunto é esgotar exemplares nas bancas”.
Só para refrescar um pouco a memória dos esquecidos, nas poucas aparições fora do seu programa, a apresentadora sempre fez questão de ressaltar a carência, solidão e até infelicidade que sentia, causando perplexidade naqueles que acham que a fama, o dinheiro e tudo que ele proporciona preenchem o vazio deixado pela falta e um amor ou mesmo por um trauma do passado. E não é de mais lembrar que Xuxa quer fazer de Sasha sua sucessora, desde a escolha do nome até a produção de um filme para inseri-la no meio. Assim sendo, suas revelações ao Fantástico pesariam mais a favor ou contra a Rainha dos Baixinhos e sua herdeira?   
E por que quebrar o silêncio de anos? A resposta vejo claramente na fábula do balde que de pingo em pingo transbordou. Por que ao invés de chamá-la de oportunista, exibicionista e outras “istas” mais em busca de holofote quem a criticou não reconhece que foi um ato de coragem falar o que ela falou em rede nacional, quebrando barreiras, passando por cima de valores e sentimentos mais profundos para assumir algo pelo qual ela se envergonha e sente asco?
A Rainha dos Baixinhos provou que o tempo passou pra ela, mas que o mesmo lhe ensinou a comportar como gente grande. Só mesmo alguém com muita maturidade, segurança e leveza teria a sua coragem e daria a cara a tapa como Xuxa fez. Talvez por isso eu continue achando que a apresentadora foi duplamente injustiçada: vítima dos monstros que abusaram da sua inocência no passado e de todo o sistema que está por trás do seu pronunciamento. Ou alguém duvida que a Globo lucrou com tudo isso? Quando nada alguns milhões de publicidade no horário em que a audiência da emissora, em pleno domingo à noite, pôde ser comparado a de dias de jogos de Copa do Mundo, final de novela ou Big Brother.
O quê de reality show do quadro contribuiu, e muito, para aguçar a curiosidade dos expectadores que ao longo da semana tiveram como aperitivo as chamadas do Fantástico que anunciavam revelações bombásticas. Isso sem falar na edição, na música de fundo, no tom dramático. Sim, porque o povo gosta de drama. Quem, depois que ela falou sobre o abuso, se ateve aos outros detalhes? O suposto casamento com Michael Jackson, arranjado pelo assessor do astro pop; o romance com Pelé; o amor por Ayrton Senna tudo ficou pequeno diante do fato. Ninguém, sequer, notou que Xuxa nem citou o nome de Marlene de Matos e Luciano Szafir, que fazem parte da sua história.
E, fazendo jus ao título, “será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América católica que sempre precisará de ridículos tiranos, será, será, que será?”... Não enquanto os homens exercerem seus podres poderes de transformar vítimas em culpados...

domingo, 6 de maio de 2012

Receita para abrir caminhos

Por Catiane Magalhães


Não! Não virei macumbeira, cartomante, nem receitadora da felicidade alheia. Não reinauguro esse espaço, após abandoná-lo por quase um ano, para ensinar porções mágicas, bozós, feitiçarias, simpatias ou coisa que o valha. Esqueçam todo o tipo de mandinga e despacho já visto, pois se foi o tempo em que banhos de folha, pipoca, sal grosso, alfazema ou até mesmo os rituais macabros que sacrificam animais abriam caminho.

Hoje, quem faz isso é dinheiro na conta. Isso mesmo! Alguns milhões no banco e todo o prestígio gerado por este saldo não só abrem caminhos, como constroem vias exclusivas. Um caso emblemático foi o do cantor Pedro – herdeiro da fortuna e do ritmo do pai, o sertanejo Leonardo –, que depois de sofrer um grave acidente de carro, voltando de um show em Minas Gerais, teve uma transferência cinematográfica de Goiânia para São Paulo, com direito a alterações nos tráfegos terrestre e aéreo.

A operação mobilizou dezenas de médicos e profissionais de saúde, além do alto escalão dos governos de Goiás e São Paulo. Na estratégia montada, o jato particular equipado com uma UTI voou abaixo da altitude e velocidade consideradas normais para não gerar pressão no cérebro de Pedro. O avião levou pouco mais de cinco horas para percorrer o trajeto que normalmente é concluído em cerca de 120 minutos. E não foi só: o plano de voo de outras aeronaves também foi alterado para não comprometer o sucesso da transferência.

Já na capital paulista, o cantor levou quase uma hora para ser retirado do jatinho. Todo movimento era minimamente monitorado para não afetar a saúde do cantor. Um helicóptero já o aguardava para fazer o traslado entre o Aeroporto de Congonhas e o Hospital Sírio-Libanês, mas os especialistas acharam que as condições climáticas não seriam favoráveis, podendo agravar ainda mais o quadro neurológico já abalado do garoto.

Entra em cena, então, o novo (será?) método de fazer abrir caminhos. A fama, dinheiro e prestígio da família do sertanejo serviram para literalmente liberar ruas e avenidas da cidade mais congestionada do país. Sim, o órgão de trânsito de São Paulo, com autorização dos poderes municipal e estadual, quiçá federal, interditou vias para o uso exclusivo da ambulância que transportava Pedro Leonardo, escoltada por batedores que ajudavam abrir os caminhos já livres.

E os reles mortais? Tiveram que recolher as suas insignificâncias e esperar toda a operação para seguir o curso das suas vidinhas, não tão valiosas quanto a de Pedro. E que fique bem claro que não sou contra a luta para salvar vidas, muito menos acho que o filho de Leonardo não mereça toda essa mobilização. Apesar de não gostar do seu gênero musical, eu até me simpatizo com jeito dele. Mas devo dizer que não por isso deixo de achar um acinte aos outros brasileirinhos que pagam impostos e não desfrutam das mesmas regalias.

E quando estabeleço uma comparação entre o valor da vida de Pedro e de um Zé ou Maria Ninguém, como eu, o faço com responsabilidade e respaldo. Uma semana antes da megaoperação que garantiu o sucesso da transferência do cantor para o Sírio-Libanês, os noticiários mostraram o drama nos hospitais brasileiros.

Uma senhora morreu na porta de um hospital em São Paulo sem sequer ser atendida. Apesar do desespero do genro que tentava sozinho retirá-la do carro, nos braços, nenhum médico ou atendente se movimentou, ao menos para oferecê-lo uma maca ou cadeira de rodas. A justificativa? O hospital não se responsabiliza por pacientes que não estejam internados e não presta atendimento aos que ainda não atravessaram a sua porta de entrada. Contraditório, não?

E os juramentos médicos? A ética profissional? O cuidado com a vida? Não quero entrar nessa discussão. Só queria entender a distinção estabelecida entre pessoas, que vai para além da cor da pele. Como se diz por aqui, o dinheiro quando não traz a felicidade manda buscá-la, abrindo todos os caminhos para que esta chegue mais depressa aos afortunados.