Por Catiane Magalhães
Não! Não virei macumbeira, cartomante, nem receitadora da felicidade alheia. Não reinauguro esse espaço, após abandoná-lo por quase um ano, para ensinar porções mágicas, bozós, feitiçarias, simpatias ou coisa que o valha. Esqueçam todo o tipo de mandinga e despacho já visto, pois se foi o tempo em que banhos de folha, pipoca, sal grosso, alfazema ou até mesmo os rituais macabros que sacrificam animais abriam caminho.
Hoje, quem faz isso é dinheiro na conta. Isso mesmo! Alguns milhões no banco e todo o prestígio gerado por este saldo não só abrem caminhos, como constroem vias exclusivas. Um caso emblemático foi o do cantor Pedro – herdeiro da fortuna e do ritmo do pai, o sertanejo Leonardo –, que depois de sofrer um grave acidente de carro, voltando de um show em Minas Gerais, teve uma transferência cinematográfica de Goiânia para São Paulo, com direito a alterações nos tráfegos terrestre e aéreo.
A operação mobilizou dezenas de médicos e profissionais de saúde, além do alto escalão dos governos de Goiás e São Paulo. Na estratégia montada, o jato particular equipado com uma UTI voou abaixo da altitude e velocidade consideradas normais para não gerar pressão no cérebro de Pedro. O avião levou pouco mais de cinco horas para percorrer o trajeto que normalmente é concluído em cerca de 120 minutos. E não foi só: o plano de voo de outras aeronaves também foi alterado para não comprometer o sucesso da transferência.
Já na capital paulista, o cantor levou quase uma hora para ser retirado do jatinho. Todo movimento era minimamente monitorado para não afetar a saúde do cantor. Um helicóptero já o aguardava para fazer o traslado entre o Aeroporto de Congonhas e o Hospital Sírio-Libanês, mas os especialistas acharam que as condições climáticas não seriam favoráveis, podendo agravar ainda mais o quadro neurológico já abalado do garoto.
Entra em cena, então, o novo (será?) método de fazer abrir caminhos. A fama, dinheiro e prestígio da família do sertanejo serviram para literalmente liberar ruas e avenidas da cidade mais congestionada do país. Sim, o órgão de trânsito de São Paulo, com autorização dos poderes municipal e estadual, quiçá federal, interditou vias para o uso exclusivo da ambulância que transportava Pedro Leonardo, escoltada por batedores que ajudavam abrir os caminhos já livres.
E os reles mortais? Tiveram que recolher as suas insignificâncias e esperar toda a operação para seguir o curso das suas vidinhas, não tão valiosas quanto a de Pedro. E que fique bem claro que não sou contra a luta para salvar vidas, muito menos acho que o filho de Leonardo não mereça toda essa mobilização. Apesar de não gostar do seu gênero musical, eu até me simpatizo com jeito dele. Mas devo dizer que não por isso deixo de achar um acinte aos outros brasileirinhos que pagam impostos e não desfrutam das mesmas regalias.
E quando estabeleço uma comparação entre o valor da vida de Pedro e de um Zé ou Maria Ninguém, como eu, o faço com responsabilidade e respaldo. Uma semana antes da megaoperação que garantiu o sucesso da transferência do cantor para o Sírio-Libanês, os noticiários mostraram o drama nos hospitais brasileiros.
Uma senhora morreu na porta de um hospital em São Paulo sem sequer ser atendida. Apesar do desespero do genro que tentava sozinho retirá-la do carro, nos braços, nenhum médico ou atendente se movimentou, ao menos para oferecê-lo uma maca ou cadeira de rodas. A justificativa? O hospital não se responsabiliza por pacientes que não estejam internados e não presta atendimento aos que ainda não atravessaram a sua porta de entrada. Contraditório, não?
E os juramentos médicos? A ética profissional? O cuidado com a vida? Não quero entrar nessa discussão. Só queria entender a distinção estabelecida entre pessoas, que vai para além da cor da pele. Como se diz por aqui, o dinheiro quando não traz a felicidade manda buscá-la, abrindo todos os caminhos para que esta chegue mais depressa aos afortunados.
domingo, 6 de maio de 2012
Receita para abrir caminhos
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