
Brasileiro tem mania de grandeza. Adora ostentar títulos de maiores e melhores em tudo. Melhor futebol, maior traseiro, maior carnaval e melhor novela. Para dar consistência a este último, tem até discurso pronto, que tornou-se clichê na boca do povo: “o Brasil está para a novela como Hollywood para o cinema”.
É bem verdade que a teledramaturgia brasileira (leia-se os novelões da Globo, já que nenhuma outra emissora conseguiu destaque no segmento) faz o maior sucesso mundo a fora. Não é à toa que vários países compram, a preço de ouro, o direito de reproduzir muitas delas.
Nem por isso torna-se motivo de orgulho, já que este tipo de narrativa é pouco valorizada por países desenvolvidos, com população de média e alta instrução. Em português claro estou dizendo que novela é, essencialemente, produto destinado a um povo com elevadas taxas de analfabetismo funcional.
Por outro lado, a novela é também um dos nossos poucos produtos democráticos, pois consege pautar a vida de boa parte dos brasileitos, independentemente de classe social e grau de instrução. A ponto de fazer o telespectador confundir realidade com ficção, levando para suas vidas não só a moda e o vocabulário da telinha, mas, e principalmente, o drama vivido pelos personagens. Em muitos casos, inclusive, o debate sai das salas das residências para as redações dos veículos de comunicação, tornando-se pauta para a imprensa.
Quem não se lembra das matérias sobre novas tecnologias de segurança que antecederam a estreia de Tempos Modernos? Na ocasião, compararam até o fictício Titan com um real edifício em Dubai, nos Emirados Árabes, considerado o mais seguro e vigiado do mundo.
Mas nenhum tema de novela mereceu mais destaque que a questão da acessibilidade aos cadeirantes durante os oito meses que Viver a Vida, de Manoel Carlos, esteve no ar. Como brasileiro tem memória curta, mal a novela acabou, o país inteiro, que compartilhou do drama de Luciana, personagem de Alinne Moraes, já esqueceu das dificuldades enfrentadas pelos cadeirantes da vida real.
Engraçado como temáticas que são batidas e rebatidas diariamente simplesmente desaparecem quando a trama que as abordam chega ao seu capítulo final. E agora não me refiro só aos veículos de comunicação, mas também ao telespectador, que elegeu o personagem como seu favorito, que levou para casa o seu drama, viveu, chorou e sofreu junto com ele, e que agora o substitui pelo mocinho(a) sofredor(a) do atual folhetim.
Assim foi com a leucêmica Camila, de Laços de Família; o cego Jatobá, de América; os alcóolatras Santana e Orestes, de Mulheres Apaixonadas e Por Amor, respectivamente; a excepcional Clara, de Páginas da Vida, e tantos outros que encarnaram algum drama, na ocasião amplamente debatido, mas agora ligeiramente esquecido.
Todos estes temas foram pautas, motes de campanha politicamente corretas. E hoje, alguém vê ou lê uma linha sobre algum deles? A bola da vez é a reencarnação, abordada na novela Escrito nas Estrelas. Parafraseando o presidente Lula, já que também o termo está na moda, “nunca na história desse país”, se falou tanto em espiritismo como agora.
A temática é abordada até por pregadores de outras religiões, enquanto as outras entram pelo processo de amnésia parcial dos mesmos telespectadores que um dia as deram audiência. Quem sabe quando a trama for reprisada no vespertino Vale a pena ver de novo, tais assuntos não voltem à tona? Com certeza, o Vídeo Show dará um jeitinho de ressuscitar o defunto.
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