quarta-feira, 1 de abril de 2015

O Papa é pop, o papa não poupa ninguém

Foto: Internet



Por Catiane Magalhães


Uma semana após um beijo fictício entre duas mulheres causar tanto alvoroço nas mídias oficiais e sociais do Brasil, um fato da vida real, que quase passou despercebido não fosse as poucas linhas traçadas por um ou outro veículo da terra tupiniquim, deu um tapa de luva na intolerância praticada pelos fundamentalistas religiosos.

Desde que foi ordenado como líder máximo da igreja católica, o papa Francisco provou que veio para quebrar dogmas. E assim o tem feito, abordando temas como divórcio e união homoafetiva, entre outros tidos como tabus dentro da instituição, desconstruindo a ideia de uma igreja e um Deus inflexíveis.

O pontífice abdicou de alguns luxos e também do pseudo poder que o seu “cargo” lhe confere de julgar e condenar quem quer que seja. Aliás, o santo papa, como é chamado na igreja, vem surpreendendo com declarações e posturas revolucionárias. Em 2013, por exemplo, ele afirmou: "se uma pessoa é gay e busca a Deus, quem sou eu para julgá-la?", chocando a ala ortodoxa da sua própria igreja e das protestantes.

Enquanto outras correntes religiosas discriminam, o papa Francisco tenta estabelecer um novo catolicismo que acolhe, sobretudo as criaturas mais rejeitadas, assim como fez Jesus ao escolher andar com os leprosos e prostitutas.

No último sábado, o pontífice deu mais uma demonstração de tolerância e amor ao próximo, recebendo um cidadão espanhol transexual (que nasceu mulher e na vida adulta optou pela cirurgia de mudança de sexo) e sua namorada.

O encontro deu-se após a troca de algumas cartas e telefonemas de Diego Lejárraga ao líder católico, denunciando o preconceito que vinha sofrendo na paróquia que frequentava, onde o padre o proibiu de comungar e o teria chamado de “filho do diabo”.

Quem esperou que o sereno papa Francisco reiterasse as palavras do colega religioso e excomungasse o abominável ser dos infernos, condenando-o espiritualmente e o banindo da comunidade católica, se frustrou, pois o nosso hermano argentino, radicado na Itália, abriu as portas não apenas da Santa Sé, mas de toda a igreja. E ao acolhê-lo, pronunciou: “Deus aceita-te como és”.

Ora, bolas! Se até o doce Chico, que está mais próximo de Deus, diz que o Todo Poderoso aceita as pessoas pelo que elas são, por que diabos nós, reles mortais cheios de pecados, fraquezas e defeitos, nos sentimos no direito de julgar e sentenciar nossos semelhantes? Será que somos tão dignos e puros a ponto de atirar a primeira, segundo e milésima pedra responsável pelo linchamento social destas pessoas?

Não, eu não sou politeísta, mas há de existir outros deuses que não sejam o meu, em nome dos quais as pessoas saem disseminando ódio e intolerância. Porque o Deus que eu creio não está nem um pouco preocupado com o corpo, genitália ou indumentária, pois Ele, assim como o papa, é pop e não poupa ninguém.  

terça-feira, 24 de março de 2015

Fogo na Babilônia





Banner divulgado na internet, com o intuito de boicotar a novela


Por Catiane Magalhães

Não, esse texto não faz nenhuma referência ao reggae homônimo de Edson Gomes, mas à tentativa de queimar, ainda na largada, o novo folhetim global do horário nobre. Bastou o primeiro capítulo de Babilônia, novela de Gilberto Braga em parceria com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, ir ao ar para o exército de conservadores e fundamentalistas entrar em ação, tudo em nome da moral e dos bons costumes.

O que não faltou foi manifestações de indignação pelas cenas de traição, morte e, sobretudo, de beijo gay logo na estreia. Sim, o beijo protagonizado por duas divas da teledramaturgia brasileira, Fernanda Montenegro e Natália Timberg, chocou mais que qualquer outra cena. 

A repercussão foi tanta que, nas redes sociais, o tema posicionou-se entre os mais citados. Durante toda a exibição da trama, o termo Babilônia ficou nos trending topics do twitter. Como nada é unânime, houve quem gostasse, aplaudisse, defendesse e elogiasse, claro! No entanto, o que chamou a minha atenção foi a histeria em prol de um beijo, que, ao meu ver, nada mais é que uma manifestação de amor e afeto. E olha que esta não foi a primeira vez na história da televisão deste país que duas pessoas do mesmo sexo se beijam.

Aliás, nunca a união homoafetiva esteve tanto em pauta como agora. A ponto de me levar a desconfiar que as últimas abordagens e enquadramentos do tema tivessem habituado a população brasileira a conviver, dentro e fora da telinha, com a diversidade de gênero. Ledo engano!
Aí eu me pergunto: cadê a militância que defendeu e torceu pelo casal Clara e Marina, vivido pelas atrizes Giovanna Antonelli e Tainá Müller, na novelinha água com açúcar de Manoel Carlos, Em Família? Será que o amor das duas personagens era mais aceitável porque ambas eram jovens e bonitas? Ou porque o imaginário machista alimenta a fantasia sexual de um dia deleitar-se com duas mulheres de biotipo semelhante aos das atrizes?

Só posso pensar que o estardalhaço de agora se deve ao fato de o casal gay do momento ser interpretado por duas senhoras. E a minha pergunta é: em que isso tira o mérito e a beleza do amor? Pelo contrário, só agrega. Afinal, o amor envelhece, assim como os seus amantes. Mas, em tempos de sentimentos e relações tão efêmeras, é mesmo possível que ninguém mais acredite em um amor duradouro, principalmente entre homossexuais, normalmente associados à promiscuidade.

Ok! Eu sei que existem os que criticam porque não concebem esse tipo de relação, seja por princípios morais ou religiosos. Não que estas pessoas não tenham o direito de expor os seus posicionamentos, mas daí se mobilizarem para solicitar a retirada do folhetim do ar é muito radicalismo para a minha pouca compreensão.

A mesma democracia que lhes oferece a liberdade de se expressar, vomitando ódio e hipocrisia em suas redes sociais, lhes dão também o direito e a opção de mudar de canal, ou de simplesmente desligar a tevê, para não ver cenas que consideram uma afronta à família, ou, ao menos, ao que chamam de “modelo ideal” de família, já que desconhecem a legitimidade de outras estruturas familiares.

Lamento desapontar os fundamentalistas que se escandalizam diante de uma manifestação de amor, só porque é um amor contrário aos seus padrões, mas relações homoafetivas não existem apenas dentro das telinhas. Elas fazem parte do nosso cotidiano: estão nas praças públicas, nos shoppings centers, nas escolas, nos ambientes de trabalho e até nas igrejas, independentemente do credo.

Ou seja, meus caros, se vocês não querem conviver com essa realidade, criem uma bolha que os protejam dos impuros e mudem-se pra lá, levando suas criancinhas, assim como já fazem ao retirá-las da sala para não ver o beijo gay na televisão. Do contrário, em algum momento da vidinha delas, elas irão se deparar com uma cena dessas, sem ter a opção de acionar o controle remoto para mudar de canal.

Enquanto o beijo de Teresa e Estela (Fernanda e Natália) disputava espaço na mídia com outras notícias, um fato me escandalizou: a falta de repercussão, de comoção generalizada ou de mobilização dos defensores da família diante da notícia de que um adolescente de 14 anos teria matado outro de 17 por causa de uma dívida de R$ 30. Que mundo é esse onde um beijo é mais nocivo e desencadeador de revolta do que algumas facadas? Mais amor, por favor!

Patrocinador de Baixaria

Não bastasse a atuação dos guardiões da moral e dos bons costumes, com a tentativa de boicotar a novela, vem o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), combatente oficial das relações homoafetivas, colocar a cereja no bolo. Através do seu perfil no facebook, ele convocou seus seguidores – basicamente a comunidade evangélica – a não comprar, vender ou consumir produtos da Natura, já que a marca é um dos principais patrocinadores da novela da Globo que “esbofeteia a família brasileira com uma subliminar mensagem anti-cristã” (sic).

Se a Natura irá retirar o seu patrocínio eu não sei, mas que certamente sofrerá os efeitos em suas caixas registradoras, isso vai. Quem duvida, afinal, que alguns dos milhares de amigos virtuais de Feliciano, tão alienados quanto ele, obedecerão o vosso mandamento?

Nessa luta entre o certo e o errado, Deus e o Diabo, vale tudo. E quando faltam argumentos plausíveis, a estratégia é atingir o bolso dos "financiadores" da baixaria, usando os seus consumidores para boicotar a marca. Então, irmãos, na falta de dinheiro para usar Lancôme, o jeito é fazer como a Marina Silva e recorrer à beterraba para se pintar, pois produto da Natura não pode!

E para contrapor a imagem que ilustra esse post, símbolo da tentativa de boicote à novela, amplamente divulgada pela legião de moralistas conservadores, eu convoco os meus seguidores (que não são tantos quanto os de Feliciano) a dizer não ao preconceito e sim a todas as formas de amor.