terça-feira, 24 de março de 2015

Fogo na Babilônia





Banner divulgado na internet, com o intuito de boicotar a novela


Por Catiane Magalhães

Não, esse texto não faz nenhuma referência ao reggae homônimo de Edson Gomes, mas à tentativa de queimar, ainda na largada, o novo folhetim global do horário nobre. Bastou o primeiro capítulo de Babilônia, novela de Gilberto Braga em parceria com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, ir ao ar para o exército de conservadores e fundamentalistas entrar em ação, tudo em nome da moral e dos bons costumes.

O que não faltou foi manifestações de indignação pelas cenas de traição, morte e, sobretudo, de beijo gay logo na estreia. Sim, o beijo protagonizado por duas divas da teledramaturgia brasileira, Fernanda Montenegro e Natália Timberg, chocou mais que qualquer outra cena. 

A repercussão foi tanta que, nas redes sociais, o tema posicionou-se entre os mais citados. Durante toda a exibição da trama, o termo Babilônia ficou nos trending topics do twitter. Como nada é unânime, houve quem gostasse, aplaudisse, defendesse e elogiasse, claro! No entanto, o que chamou a minha atenção foi a histeria em prol de um beijo, que, ao meu ver, nada mais é que uma manifestação de amor e afeto. E olha que esta não foi a primeira vez na história da televisão deste país que duas pessoas do mesmo sexo se beijam.

Aliás, nunca a união homoafetiva esteve tanto em pauta como agora. A ponto de me levar a desconfiar que as últimas abordagens e enquadramentos do tema tivessem habituado a população brasileira a conviver, dentro e fora da telinha, com a diversidade de gênero. Ledo engano!
Aí eu me pergunto: cadê a militância que defendeu e torceu pelo casal Clara e Marina, vivido pelas atrizes Giovanna Antonelli e Tainá Müller, na novelinha água com açúcar de Manoel Carlos, Em Família? Será que o amor das duas personagens era mais aceitável porque ambas eram jovens e bonitas? Ou porque o imaginário machista alimenta a fantasia sexual de um dia deleitar-se com duas mulheres de biotipo semelhante aos das atrizes?

Só posso pensar que o estardalhaço de agora se deve ao fato de o casal gay do momento ser interpretado por duas senhoras. E a minha pergunta é: em que isso tira o mérito e a beleza do amor? Pelo contrário, só agrega. Afinal, o amor envelhece, assim como os seus amantes. Mas, em tempos de sentimentos e relações tão efêmeras, é mesmo possível que ninguém mais acredite em um amor duradouro, principalmente entre homossexuais, normalmente associados à promiscuidade.

Ok! Eu sei que existem os que criticam porque não concebem esse tipo de relação, seja por princípios morais ou religiosos. Não que estas pessoas não tenham o direito de expor os seus posicionamentos, mas daí se mobilizarem para solicitar a retirada do folhetim do ar é muito radicalismo para a minha pouca compreensão.

A mesma democracia que lhes oferece a liberdade de se expressar, vomitando ódio e hipocrisia em suas redes sociais, lhes dão também o direito e a opção de mudar de canal, ou de simplesmente desligar a tevê, para não ver cenas que consideram uma afronta à família, ou, ao menos, ao que chamam de “modelo ideal” de família, já que desconhecem a legitimidade de outras estruturas familiares.

Lamento desapontar os fundamentalistas que se escandalizam diante de uma manifestação de amor, só porque é um amor contrário aos seus padrões, mas relações homoafetivas não existem apenas dentro das telinhas. Elas fazem parte do nosso cotidiano: estão nas praças públicas, nos shoppings centers, nas escolas, nos ambientes de trabalho e até nas igrejas, independentemente do credo.

Ou seja, meus caros, se vocês não querem conviver com essa realidade, criem uma bolha que os protejam dos impuros e mudem-se pra lá, levando suas criancinhas, assim como já fazem ao retirá-las da sala para não ver o beijo gay na televisão. Do contrário, em algum momento da vidinha delas, elas irão se deparar com uma cena dessas, sem ter a opção de acionar o controle remoto para mudar de canal.

Enquanto o beijo de Teresa e Estela (Fernanda e Natália) disputava espaço na mídia com outras notícias, um fato me escandalizou: a falta de repercussão, de comoção generalizada ou de mobilização dos defensores da família diante da notícia de que um adolescente de 14 anos teria matado outro de 17 por causa de uma dívida de R$ 30. Que mundo é esse onde um beijo é mais nocivo e desencadeador de revolta do que algumas facadas? Mais amor, por favor!

Patrocinador de Baixaria

Não bastasse a atuação dos guardiões da moral e dos bons costumes, com a tentativa de boicotar a novela, vem o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), combatente oficial das relações homoafetivas, colocar a cereja no bolo. Através do seu perfil no facebook, ele convocou seus seguidores – basicamente a comunidade evangélica – a não comprar, vender ou consumir produtos da Natura, já que a marca é um dos principais patrocinadores da novela da Globo que “esbofeteia a família brasileira com uma subliminar mensagem anti-cristã” (sic).

Se a Natura irá retirar o seu patrocínio eu não sei, mas que certamente sofrerá os efeitos em suas caixas registradoras, isso vai. Quem duvida, afinal, que alguns dos milhares de amigos virtuais de Feliciano, tão alienados quanto ele, obedecerão o vosso mandamento?

Nessa luta entre o certo e o errado, Deus e o Diabo, vale tudo. E quando faltam argumentos plausíveis, a estratégia é atingir o bolso dos "financiadores" da baixaria, usando os seus consumidores para boicotar a marca. Então, irmãos, na falta de dinheiro para usar Lancôme, o jeito é fazer como a Marina Silva e recorrer à beterraba para se pintar, pois produto da Natura não pode!

E para contrapor a imagem que ilustra esse post, símbolo da tentativa de boicote à novela, amplamente divulgada pela legião de moralistas conservadores, eu convoco os meus seguidores (que não são tantos quanto os de Feliciano) a dizer não ao preconceito e sim a todas as formas de amor. 

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