sexta-feira, 9 de abril de 2010

O tiro saiu pela culatra...


Por Catiane Magalhães

A máxima popular “o proibido é desejado” se confirmou nesta semana, com a exibição da entrevista com Guilherme de Pádua – acusado e condenado pela morte da atriz Daniella Perez, há 18 anos –, no Programa do Ratinho (SBT). O anúncio da ‘atração’ era uma nítida busca por alguns pontos no Ibope, mas o que realmente promoveu a audiência foi a tentativa, se não de proibir, de, pelo menos, coibir o acesso do público à entrevista, lançada pela mãe da vítima, a novelista global Glória Perez, e apoiada por amigos e seguidores no twitter.

O boicote teve efeito colateral e levou muita gente a sintonizar a emissora à espera da edição inédita. Aliás, boa parte do público tomou conhecimento da programação através do próprio microblog e das campanhas pela não audiência, ou seja, o esforço concentrado para impedir a veiculação da entrevista só atiçou a curiosidade alheia.

Eu mesma faço parte desta estatística, pois não sou telespectadora da emissora de Sílvio Santos, mas, diante dos posts no twitter, e por não comungar da mesma idéia de Glória Perez, por achar que fere os direitos de liberdade e expressão e de ir e vir do cidadão, resolvi checar o conteúdo do programa amplamente repudiado pela mesma.

Não sou nenhuma defensora dos direitos humanos, mas sou declaradamente contra qualquer tipo de censura, mesmo as motivadas em nome do amor. Do mesmo modo, sou totalmente contrária a programas sensacionalistas, mas não se pode ignorar o tempo que o assassino confesso passou atrás das grades. Se a justiça foi feita ou não, se os quase sete anos de reclusão não foram suficientes, não cabe a ela decidir, o que deve ser levado em conta é que Guilherme cumpriu a pena e, portanto, pagou, em tese, a sua dívida com o judiciário e com a sociedade.

Aliás, a campanha impetrada pela mãe da vítima vai na contramão de uma outra, lançada pelo governo Federal, através do Conselho Nacional de Justiça, para reinserir ex-presidiários no mercado de trabalho e no convívio social, dando-lhes a chance de “começar de novo”, como é intitulada a peça veiculada em várias emissoras, inclusive na empresa que Glória trabalha, a Globo.

Tanto por nada – O fato é que se criou uma enorme expectativa para nada, literalmente. A promessa do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, em quebrar um silêncio de quase duas décadas, revelando para o Brasil o que motivou o crime bárbaro, não se concretizou. O convidado não falou nada que já não tenha sido dito e redito ao longo de todos esses anos, com uma diferença: um discurso arrependido, de um ‘ex-torto’ e agora evangélico, temente a Deus. E sem querer fazer juízo de valor, tudo isso soou mais como uma encenação de quem, mesmo longe dos palcos e das câmaras, devido encarceramento, não esqueceu a arte de interpretar.

Nitidamente confuso e nervoso, e sob o argumento de proteger a própria pele, Guilherme optou por deixar a sociedade sem resposta e não apresentar a sua versão para o acontecimento. Mesmo o ar de quem decorou algumas passagens bíblicas para impressionar não convenceu, pelo contrário, só provocou a ira do apresentador – frustrado por não conseguir dar o furo de reportagem –, que após várias tentativas de arrancar respostas, vendo o tempo se esgotar, saiu do cenário visivelmente irritado com o seu convidado e dizendo, ainda com os microfones ligados, que se estivesse no lugar de Glória Perez (com quem o próprio teria trocado algumas farpas pelo twitter) também não perdoaria o assassino.

E o tiro novamente saiu pela culatra. Diante do espetáculo que antecedeu a exibição do programa e na guerra incessante pela audiência, o apresentador, cuja credibilidade já é duvidosa, teve a sua imagem mais uma vez associada ao ridículo e a incapacidade de realizar aquilo que se propôs fazer.

Um comentário:

  1. Você, a cada dia, escreve melhor.
    Gosto muito do seu estilo e de sua capacidade de selecionar e de pinçar temas de interesse geral, que mantém o leitor preso ao texto até o final.
    Algumas colocações irônicas, típicas de sua personalidade, ajundam a manter a leveza e a graça.
    Texto enxuto, preciso, de perfil jornalístico-opinativo, monstrando claramente a sua posição mas sem ser panfletário ou tendencioso.
    Parabéns, estamos diante de uma grande cronista.
    morgan*

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